DECRETO Nº 439, de 03 de fevereiro de 1992

Promulga o Acordo para o Uso Exclusivamente Pacífico da Energia Nuclear, entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Argentina

O Presidente da República, usando das atribuições que lhe confere o artigo 84, inciso VIII, da Constituição e 

Considerando que o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Argentina assinaram, em 18 de julho de 1991, em Guadalajara, o Acordo para o Uso Exclusivamente Pacífico da Energia Nuclear;

Considerando que o Congresso Nacional aprovou o Acordo por meio do Decreto Legislativo nº 221, de 11 de dezembro de 1991;

Considerando que o Acordo entrou em vigor em 12 de dezembro de 1991, na forma de seu artigo XX.

DECRETA:

Art. 1º - O Acordo para o Uso Exclusivamente Pacífico da Energia Nuclear, entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Argentina, apenso por cópia ao presente Decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém.

Art. 2º - Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

ANEXO AO DECRETO QUE PROMULGA O ACORDO PARA O USO EXCLUSIVAMENTE PACÍFICO DA ENERGIA NUCLEAR, ENTRE O GOVERNO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL E O GOVERNO DA REPÚBLICA DA ARGENTINA

ACORDO ENTRE A REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL E A REPÚBLICA ARGENTINA PARA O USO EXCLUSIVAMENTE PACÍFICO DA ENERGIA NUCLEAR

O Governo da República Federativa do Brasil e

O Governo da República Argentina

(doravante denominados "as Partes"),

Considerando os progressos conseguidos na cooperação nuclear bilateral como resultado do trabalho comum no quadro do Acordo de Cooperação para Usos Pacíficos da Energia Nuclear, firmado em Buenos Aires, em 17 de maio de 1980;

Recordando os compromissos assumidos nas Declarações Conjuntas sobre política nuclear de Foz de Iguaçu (1985), Brasília (1986), Viedma (1987) e Iperó (1988), reafirmandos pelo Comunicado Conjunto de Buenos Aires, de 6 de julho de 1990;

Considerando as decisões adotadas na Declaração sobre Política Nuclear Comum Brasileiro-Argentina de Foz do Iguaçu, de 28 de novembro de 1990;

Reafirmando sua decisão de aprofundar o processo de integração entre ambos os países;

Tendo em conta o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento entre a República Federativa do Brasil e a República Argentina, de 29 de novembro de 1988 e o Protocolo número 17 de Cooperação Nuclear, de 10 de dezembro de 1986;

Reconhecendo a importância da utilização da energia nuclear com fins pacíficos para o desenvolvimento científico, tecnológico, econômico e social de seus povos;

Coincidindo em que os benefícios de todas as aplicações da tecnologia nuclear deverão ser acessíveis para fins pacíficos a todos os Estados;

Reafirmando os princípios do Tratado para a Proscrição das Armas Nucleares na América Latina;

Acordam o seguinte:

COMPROMISSO BÁSICO

ARTIGO I

1. As Partes se comprometem a utilizar exclusivamente para fins pacíficos o material e as instalações nucleares submetidas a sua jurisdição ou controle.

2. As Partes se comprometem, em conseqüência, a proibir e a impedir em seus respectivos territórios, bem como a abster-se de realizar, fomentar ou autorizar, direta ou indiretamente, ou de participar de qualquer maneira:

a) no teste, uso, fabricação, produção ou aquisição, por qualquer meio, de toda arma nuclear, e

b) na recepção, armazenamento, instalação, colocação ou qualquer forma de posse de qualquer arma nuclear.

3. Tendo em vista que não existe, atualmente, distinção técnica possível entre os dispositivos nucleares explosivos para fins pacíficos e os destinados a fins bélicos, as Partes se comprometem, ademais, a proibir e a impedir em seus respectivos territórios, bem como a abster- se de realizar, fomentar ou autorizar, direta ou indiretamente, ou de participar de qualquer maneira no teste, uso, fabricação, produção ou aquisição, por qualquer meio, de qualquer dispositivo nuclear explosivo, enquanto persista a referida limitação técnica.

ARTIGO II

Nada do que dispõe o presente Acordo afetará o direito inalienável das Partes de desenvolver a pesquisa, a produção e a utilização da energia nuclear com fins pacíficos, preservando cada Parte seus segredos industriais, tecnológicos e comerciais, sem discriminação, em conformidade com seus Artigos 1, 3 e 4.

ARTIGO III

Nada do que dispõe o presente Acordo limitará o direito das Partes a usar a energia nuclear para a propulsão ou a operação de qualquer tipo de veículo, incluindo submarinos, uma vez que ambas são aplicações pacíficas da energia nuclear.

ARTIGO IV

As Partes se comprometem a submeter todos os materiais nucleares em todas as atividades nucleares que se realizem em seus territórios, ou que estejam submetidas a sua jurisdição ou sob seu controle, em qualquer lugar, ao Sistema Comum de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (SCCC), estabelecido no Art. 5º do presente Acordo.

SISTEMA COMUM DE CONTABILIDADE E CONTROLE DE MATERIAIS NUCLEARES

ARTIGO V

As Partes estabelecem o Sistema Comum de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (doravante denominado "SCCC"), que terá como finalidade verificar, de acordo com as diretrizes básicas fixadas no Anexo que forma parte do presente Acordo, que os materiais nucleares em todas as atividades nucleares das Partes não sejam desviados para armas nucleares ou outros dispositivos nucleares explosivos, de acordo com o Art. 1º.

AGÊNCIA BRASILEIRO-ARGENTINA DE CONTABILIDADE E CONTROLE DE MATERIAIS NUCLEARES

ARTIGO VI

As Partes estabelecem a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (doravante denominada "ABACC"), que terá personalidade jurídica para cumprir o objetivo que lhe atribui o presente Acordo.

OBJETIVO DA ABACC

ARTIGO VII

O objetivo da ABACC é administrar e aplicar o SCCC, conforme o disposto no presente Acordo.

COMPOSIÇÃO DA COMISSÃO

ARTIGO VIII

Serão faculdades da ABACC:

a) Acordar com as Partes novos Procedimentos Gerais e Manuais de Aplicação e as modificações eventualmente necessárias aos já existentes;

b) Efetuar as inspeções e demais procedimentos previstos para a aplicação do SCCC;

c) Designar os inspetores que efetuem as inspeções mencionadas no inciso b);

d) Avaliar as inspeções realizadas para a aplicação do SCCC;

e) Contratar os serviços necessários para assegurar o cumprimento de seu objetivo;

f) Representar as Partes perante terceiros no que concerne à aplicação do SCCC;

g) Celebrar acordos internacionais, com expressa autorização das Partes; e

h) Atuar na justiça.

ÓRGÃOS DA ABACC

ARTIGO IX

Serão órgãos da ABACC a Comissão e a Secretaria.

COMPOSIÇÃO DA ABACC

ARTIGO X

A Comissão será composta por quatro Membros, cabendo a cada Parte a designação de dois deles. A Comissão será constituída em até sessenta dias da entrada em vigor do presente Acordo.

FUNÇÕES DA COMISSÃO

ARTIGO XI

A Comissão terá como funções:

a) Zelar pelo funcionamento do SCCC;

b) Aprovar os Procedimentos Gerais e os Manuais de Aplicação referidos no Art. 8º, inciso a) negociados pela Secretaria;

c) Buscar os meios necessários ao estabelecimento da Secretaria;

d) Supervisionar o funcionamento da Secretaria, elaborando as instruções e diretrizes que considerar adequadas em cada caso;

e) Designar o pessoal profissional da Secretaria e aprovar a designação do pessoal auxiliar;

f) Elaborar a lista dos inspetores devidamente qualificados, entre os propostos pelas Partes, que executarão as tarefas de inspeção determinadas pela Secretaria;

g) Dar conhecimento das anormalidades que se apresentarem na aplicação do SCCC à Parte correspondente, a qual estará obrigada a tomar as medidas necessárias para corrigir tal situação;

h) Requerer às Partes da Constituição dos grupos assessores "ad-hoc" que estime necessários para o melhor funcionamento do SCCC;

i) Informar às Partes anualmente sobre o andamento da aplicação do SCCC;

j) Informar às Partes do descumprimento por uma das Partes dos compromissos assumidos no presente Acordo; e

k) Ditar seu próprio regulamento e o da Secretaria.

COMPOSIÇÃO DA SECRETARIA

ARTIGO XII

1. A Secretaria será composta pelos profissionais designados pela Comissão e pelo pessoal auxiliar. No desempenho de suas funções, os funcionários da Secretaria estarão sujeitos ao regulamento aprovado e às diretrizes formuladas pela Comissão.

2. Os funcionários de maior hierarquia da nacionalidade de cada Parte se alternarão anualmente no desempenho da função de Secretário da ABACC, iniciando-se pelo de nacionalidade distinta à do País sede.

3. Os inspetores designados em razão do Art. 8º, inciso c), enquanto estiverem em exercício das funções atribuídas pela Secretaria em relação ao SCCC, dependerão exclusivamente da referida Secretaria.

FUNÇÕES DA SECRETARIA

ARTIGO XIII

Serão funções da Secretaria:

a) Executar as diretrizes e instruções estabelecidas pela Comissão;

b) Nesse contexto, desenvolver as atividades necessárias à aplicação e administração do SCCC;

c) Atuar, por mandato da Comissão, com representantes da ABACC em suas relações com as Partes e perante terceiros;

d) Designar, entre os inspetores incluídos na lista mencionada no Art. 11, inciso f), aqueles que deverão executar as tarefas de inspeção determinadas pela aplicação do SCCC, tendo em conta que os inspetores de nacionalidade de uma das Partes inspecionarão as instalações da outra Parte, e dar instruções aos mesmos sobre o exercício de suas funções;

e) Receber os relatórios dos inspetores com os resultados de suas inspeções;

f) Efetuar a avaliação das inspeções de acordo com os procedimentos apropriados;

g) Informar imediatamente à Comissão toda discrepância nos registros de qualquer das Partes, encontrada nas avaliações dos resultados das inspeções;

h) Preparar o orçamento da ABACC para sua aprovação pela Comissão; e

i) Informar periodicamente a Comissão sobre suas atividades e, em particular, sobre o andamento da aplicação do SCCC.

CONFIDENCIALIDADE DA INFORMAÇÃO

ARTIGO XIV

1. A ABACC não estará autorizada a divulgar informação industrial ou comercial, ou qualquer outra de natureza confidencial, sobre as instalações e características dos Programas Nucleares das Partes sem seu expresso consentimento.

2. Sem prejuízo das responsabilidades da ABACC, os membros da Comissão, bem como os funcionários da Secretaria, os inspetores e todas as pessoas envolvidas na aplicação do SCCC, não revelarão informação industrial ou comercial, ou qualquer outra de natureza confidencial, sobre as instalações e as características dos Programas Nucleares das Partes a que tiverem acesso como resultado do exercício de suas funções ou por ocasião do exercício delas. Essa obrigação continuará mesmo após terem deixado de exercer suas funções na ABACC ou em relação à aplicação do SCCC.

3. As sanções às infrações ao parágrafo 2 do presente Artigo serão determinadas pelas respectivas legislações nacionais, correspondendo a cada Parte a sanção das infrações cometidas por seus nacionais, independentemente do lugar em que se tenham cometido.

SEDE DA ABACC

ARTIGO XV

1. A sede da ABACC será na cidade do Rio de Janeiro.

2. A ABACC negociará com a República Federativa do Brasil o correspondente Acordo de Sede.

APOIO FINANCEIRO DE TÉCNICO

ARTIGO XVI

1. As Partes proverão de forma eqüitativa os fundos necessários à operação do SCCC e da ABACC.

2. As Partes colocarão sua capacidade técnica à disposição da ABACC, a fim de apoiar suas atividades. As pessoas que estejam designadas temporariamente para essas tarefas de apoio estarão submetidas à obrigação que estabelece o Art. 14.

PRIVILÉGIOS E IMUNIDADES

ARTIGO XVII

1. A ABACC gozará de personalidade e de plena capacidade jurídicas. Seus privilégios e imunidades e os de seus funcionários no Brasil serão estabelecidos no Acordo de Sede determinado pelo Art. 15.

2. Os privilégios e as imunidades dos inspetores e dos demais funcionários que estejam em missão transitória a serviço da ABACC serão estabelecidos em Protocolo Adicional.

INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO

ARTIGO XVIII

As divergências na interpretação e aplicação do presente Acordo serão solucionadas pelas Partes pela via diplomática.

DESCUMPRIMENTO DO ACORDO

ARTIGO XIX

O descumprimento grave do presente Acordo por uma das Partes autorizará a outra Parte a dar por terminado o Acordo ou a suspender sua aplicação, total ou parcialmente, cabendo à mesma Parte notificar o Secretário-Geral das Nações Unidas e o Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos.

RATIFICAÇÃO E ENTRADA EM VIGOR

ARTIGO XX

O presente Acordo entrará em vigor na data da troca dos respectivos Instrumentos de Ratificação. Seu texto será transmitido pelas Partes ao Secretário-Geral das Nações Unidas e ao Secretário- Geral da Organização dos Estados Americanos, para registro.

EMENDAS

ARTIGO XXI

O presente Acordo poderá ser emendado pelas Partes a qualquer momento, por entendimento mútuo. A entrada em vigor das emendas se efetivará conforme o procedimento previsto no Art. 20.

DURAÇÃO

ARTIGO XXII

O presente Acordo terá duração indefinida. Poderá ser denunciado por qualquer das Partes por Nota Diplomática dirigida à outra, o que deverá ser comunicado pela Parte denunciante ao Secretário-Geral das Nações Unidas e ao Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos. A denúncia se tornará efetiva seis meses após a data da recepção dessa Nota Diplomática.

Feito na cidade de Guadalajara (Estados Unidos Mexicanos), aos 18 dias do mês de julho de 1991, em dois exemplares originais, cada um deles nos idiomas português e espanhol, sendo ambos os textos igualmente autênticos.

ANEXO

DIRETRIZES BÁSICAS DO SISTEMA DE CONTABILIDADE E CONTROLE DE MATERIAIS NUCLEARES

ARTIGO I

1. O Sistema Comum de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (SCCC) é um conjunto de procedimentos instituído pelas Partes a fim de verificar, com um grau razoável de certeza, que os materiais nucleares presentes em todas as suas atividades nucleares não sejam desviados para armas nucleares ou outros dispositivos nucleares explosivos segundo os termos do presente Acordo.

2. O SCCC compreende os Procedimentos Gerais e os Manuais de Aplicação, por categoria de instalação.

ARTIGO II

O SCCC terá por base uma estrutura de áreas de contabilidade de materiais nucleares e se aplicará a partir de um dos seguintes pontos de iniciação:

a) A produção de qualquer material nuclear de composição e pureza adequadas para seu uso direto na fabricação de combustível nuclear ou no enriquecimento isotópico, incluídas as gerais subseqüentes de material nuclear, produzidas a partir de tais materiais;

b) A importação de qualquer material nuclear que reuna as mesmas características estabelecidas no inciso a) precedente, bem como quaisquer outros materiais nucleares produzidos em uma fase posterior do ciclo do combustível nuclear.

ARTIGO III

Os materiais nucleares deixarão de estar sujeitos ao SCCC quando:

a) Sejam trasladados para fora da jurisdição ou do controle das Partes; ou

b) Sejam transferidos para uso não nuclear ou para uso nuclear não relevante do ponto de vista do SCCC; ou

c) Se tenham consumido, diluído ou transformado de modo que não possam ser utilizados para qualquer uso nuclear relevante do ponto de vista do SCCC, ou que sejam praticamente irrecuperáveis.

ARTIGO IV

A aplicação do SCCC a materiais nucleares utilizados para propulsão ou operação nuclear de qualquer tipo de veículo, incluindo submarinos, ou em outras atividades que, por sua natureza, exijam procedimento especial, terá as seguintes características particulares:

a) a suspensão das inspeções, do acesso aos registros contábeis e operativos, das notificações e dos relatórios previstos pelo SCCC relativos a esses materiais nucleares enquanto durar sua alocação às referidas atividades;

b) a nova submissão de tais materiais nucleares aos procedimentos descritos no inciso a) acima, quando não mais estiverem alocados a essas atividades;

c) o registro pelo ABACC da quantidade total e da composição desses materiais nucleares que se encontram sob a jurisdição ou controle de uma das Partes, bem como de todo traslado dos mesmos para fora de tal jurisdição ou controle.

ARTIGO V

O nível adequado de contabilidade é controle de materiais nucleares para cada instalação será determinado segundo o valor estratégico obtido da análise das seguintes variáveis:

a) categoria do material nuclear, levando em conta a relevância de sua composição isotópica;

b) tempo de conversão;

c) inventário/fluxo do material nuclear;

d) categoria da instalação;

e) grau de importância da instalação comparada a outras existentes; e

f) existência de métodos de contenção e vigilância.

ARTIGO VI

O SCCC incluirá, quando for pertinente, medidas como as seguintes:

a) Um sistema de registros e relatórios que reflita, para cada área de contabilidade de materiais nucleares, o inventário de materiais nucleares e as mudanças de tal inventário;

b) Disposições para a correta aplicação dos procedimentos e medidas de contabilidade e controle;

c) Sistemas de medições para determinar os inventários de material nuclear e suas variações;

d) A avaliação da precisão e o grau de aproximação das medições, assim como cálculo de suas imprecisões;

e) Procedimentos para identificar, revisar e avaliar diferenças nas medições remetente-destinatário;

f) Procedimentos para determinar e avaliar o material não contabilizado; e

h) Aplicação de sistemas de contenção e vigilância.