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Despacho SN, de 06 de junho de 2022

Atribui efeito vinculante para todo do Ibama (Lindb, art.30), o entendimento exarado na ORIENTAÇÃO JURÍDICA NORMATIVA Nº 54/2022/PFE/IBAMA (12707135) acerca da interpretação e da aplicabilidade do art. 62 do Código Florestal (Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012), que trata da delimitação da Área de Preservação Permanente - APP, em reservatórios d'água artificiais.

DESPACHO

1. Após análise dos autos, acolho o DESPACHO n. 00559/2022/CONEP/PFE-IBAMA-SEDE/PGF/AGU (12707139), que acompanha a NOTA n. 00121/2022/CONEP/PFE-IBAMASEDE/PGF/AGU e atribuo efeito vinculante para todo do Ibama (Lindb, art.30),o entendimento exarado na ORIENTAÇÃO JURÍDICA NORMATIVA Nº 54/2022/PFE/IBAMA (12707135) da Procuradoria Federal Especializada do Ibama - PFE/Ibama/Sede, acerca da interpretação e da aplicabilidade do art. 62 do Código Florestal (Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012), que trata da delimitação da Área de Preservação Permanente - APP, em reservatórios d'água artificiais. 2. À Diplan para publicação oficial da ORIENTAÇÃO JURÍDICA NORMATIVA Nº 54/2022/PFE/IBAMA (12707135) e do Despacho nº 12715896/2022-GABIN.

EDUARDO FORTUNATO BIM
Presidente do Instituto

 

ANEXO

ORIENTAÇÃO JURÍDICA NORMATIVA Nº 54/2022/PFE/IBAMA

DESPACHO DE APROVAÇÃO n. 00122/2020/GABIN/PFE-IBAMASEDE/PGF/AGU, expedido no processo administrativo nº 02001.002641/97-39, de lavra do Sr. THIAGO ZUCCHETTI CARRION, Procurador-Chefe Nacional da Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.

Ementa

ART. 62 DO CÓDIGO FLORESTAL. POSIÇÃO ANTERIOR DA PFE-IBAMA. REVISÃO DA TESE. ADI 4.903, ADC 42 E RCL 38764. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DO DISPOSITIVO. ENTENDIMENTO DO ART. 62 DO CFLOR ENQUANTO ÁREA CONSOLIDADA. CONSOLIDAÇÃO DIZ RESPEITO À FAIXA DE APP E NÃO AO USO DO SOLO. FIXAÇÃO DE NOVOS PARÂMETROS INTERPRETATIVOS PARA O ART. 62.

I - O art. 62 do CFlor deve incidir para todos empreendimentos cuja APP restou fixada ou não no âmbito do licenciamento ambiental, desde que atendidos os preceitos do dispositivo em questão.

II - O referido dispositivo legal conteúdo constitutivo, não tornando nulos ou desconstituindo atos administrativos que já tiveram sua constituição e extinção anteriormente à data de publicação do Código Florestal. Isso não exclui a eventual aplicação de outros dispositivos, em especial, o art. 59 do Código Florestal.

III - A aplicação do dispositivo implica em que as áreas em que ocorreu a ocupação antrópica até 22 de julho de 2008 e que diziam respeito às APP dos reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, e que respeitarem a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum, consideram-se consolidadas e deixam de possuir essa natureza com a publicação do Código Florestal.

IV - Após a publicação do Código Florestal, não é possível a consolidação de novas áreas com base no art. 62 do CFlor.

V - Como consequência de se tratar de consolidação de área, não é dado ao limite da APP prevista no art. 62 do CFlor ampliar aquela que seria aplicável por meio da Resolução CONAMA 302/2002.

1. A interpretação vigente no âmbito da PFE-IBAMA quanto à aplicabilidade do art. 62 do Código Florestal foi definida no Parecer nº 76/2013-CONEP/PFE-IBAMA, cujo argumento central diz respeito à aplicação dos princípios do tempus regit actum e proteção ao ato jurídico perfeito quanto à fixação de APP, de maneira que, além do marco temporal previsto no dispositivo, sua aplicação está limitada aqueles empreendimentos "[...] que ainda não tiveram suas faixas de APP nos reservatórios artificiais formalmente definidas pelo órgão ambiental competente no curso do procedimento licenciatório".

2. Após a consulta, contudo, sobreveio a publicação pelo Supremo Tribunal Federal dos Acórdãos da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.903 e da Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 42, bem como, mais recentemente, da decisão da Presidência do STF na RCL 38764, as quais oferecem novos subsídios para analisar e orientar o IBAMA quanto à aplicação do dispositivo em questão.

3. Não vejo como possível a manutenção do referido entendimento desta PFE acerca do art. 62 do Código Florestal, entendendo pela necessidade de sua atualização, inclusive visando a garantir a observância à posição vinculante do Supremo Tribunal Federal.

4. Peço vênias para reproduzir integralmente o trecho do voto do Relator que aborda o art. 62 do CFlor na ADC n. 42, com base na qual desenvolverei a breve argumentação. In verbis:

Novamente, a pretensão do Requerente pressupõe a constitucionalização de metragens de áreas de proteção permanente, desconsiderando a autorização conferida ao legislador para alteração ou supressão de espaços territoriais especialmente protegidos (art. 225, § 1º, III, da CRFB). O Requerente postula até mesmo o reconhecimento de retrocesso ambiental por supostamente não ter o legislador se submetido à Resolução nº 302/2002 do Conama. Sendo certo que a resolução administrativa não constitui parâmetro válido de controle abstrato de constitucionalidade, bem como que o texto constitucional não estabelece qualquer rigidez na definição da metragem de áreas de proteção ambiental, deve-se rejeitar a declaração de nulidade da norma objeto de controle. O estabelecimento legal de metragem máxima para áreas de proteção permanente no entorno de reservatórios d'água artificiais constitui legítima opção de política pública ante a necessidade de compatibilizar a proteção ambiental com a produtividade das propriedades contíguas, em atenção a imperativos de desenvolvimento nacional e eventualmente da própria prestação do serviço público de abastecimento ou geração de energia (art. 175 da CRFB). A revisão judicial do modelo implantado pelo legislador equivaleria a indevida violação ao princípio democrático, resultando em reacomodação discricionária do grau de satisfação dos valores em tensão sem base empírica ou normativa. Passa-se, então, à análise das impugnações dirigidas ao art. 62 do novo Código Florestal, em relação ao qual questiona a Procuradoria-Geral da República a nova disciplina da área de preservação permanente para os reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001. Enquadrando-se a área nesses requisitos, determina o dispositivo atualmente em vigor que " a faixa da Área de Preservação Permanente será a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum ." Sustenta o Requerente que a regra introduzida pela Lei nº 12.651/2012 remove "APPs dos reservatórios formados antes da entrada em vigor da MP 2.166-67/2001, marco temporal que não possui razoabilidade, pois a obrigatoriedade de preservação de áreas no entorno de reservatórios artificiais é anterior à MP", pugnando pela declaração de inconstitucionalidade do citado artigo 62 "por configurar evidente retrocesso ambiental".

O estabelecimento de dimensões diferenciadas da APP em relação a reservatórios registrados ou contratados no período anterior à MP nº 2166-67/2001 se enquadra na liberdade do legislador para adaptar a necessidade de proteção ambiental às particularidades de cada situação, em atenção ao poder que lhe confere a Constituição para alterar ou suprimir espaços territoriais especialmente protegidos (art. 225, § 1º, III). Trata-se da fixação de uma referência cronológica básica que serve de parâmetro para estabilizar expectativas quanto ao cumprimento das obrigações ambientais exigíveis em consonância com o tempo de implantação do empreendimento. Ex positis, declaro a constitucionalidade dos artigos 5º, caput e §§ 1º e 2º, e 62 do novo Código Florestal, julgando, no ponto, improcedente a ADI nº 4.903 e procedente a ADC nº 42.

5. Em semelhante sentido, o Min. Edson Fachin assim se manifestou quanto no julgamento dessa ação quanto ao dispositivo em questão:

Procedo agora à análise da impugnação que tem por objeto o art. 62. O dispositivo disciplina a APP instituída para os reservatórios artificiais destinados a geração de energia ou abastecimento público registrados ou cujos contratos de concessão ou autorização foram assinados antes da edição da Medida Provisória n.º 2.166-67, de 24.08.2001. Uma vez enquadrados nessa hipótese, a aplicação do art. 62 determina que "a faixa da Área de Preservação Permanente será a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum". Argumenta-se que o dispositivo em comento permite a descaracterização das APPs no entorno de reservatórios artificiais, pelo que consubstancia retrocesso ambiental. Requerse, portanto, seja declarado inconstitucional. Neste ponto, também concluo de forma análoga ao e. Relator, eis que a disciplina das dimensões diferenciadas da APP em razão do prévio registro dos reservatórios antes da MP n.º 2166-67/2001, encontra amparo no art. 225, § 1º, III, CRFB, de modo que rejeito, neste particular, as alegações de inconstitucionalidade.

6. Ou seja, da leitura dos votos acima, acompanhados pela maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, verifica-se que o fundamento de constitucionalidade do art. 62 do Código Florestal assenta-se no art. 225, § 1º, III, da Constituição Federal, no que diz respeito à liberdade do legislador de realizar a alteração e supressão de espaços especialmente protegidos. No mesmo sentido encontra-se a própria alegação da PGR rejeitada na ação, que defendeu que a aplicação do dispositivo teria o condão de remover as APPs dos reservatórios. Vejamos a inicial da ADI n. 4.903:

108. Como consequência, na prática, serão removidas áreas de preservação permanente dos reservatórios formados antes da entrada em vigor da Medida Provisória n.º 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, marco temporal que, ademais, não possui qualquer razoabilidade, pois a obrigatoriedade de 34 preservação das áreas no entorno dos reservatórios é anterior à mencionada Medida Provisória. 109. A demonstrar a gravidade das consequências práticas da modificação legislativa em análise, estudo técnico divulgado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo dá exemplos de diversos reservatórios em que as áreas de preservação permanente praticamente desaparecerão. É o caso da UHE Porto Primavera, que ficará sem qualquer área de preservação permanente, e o da UHE Jaguari, cuja área de preservação será reduzida a apenas 2,80 metros, faixa em que a vegetação não se desenvolve (doc. 5). 110. Assim sendo, deve ser declarado inconstitucional o art. 62 da Lei 12.651/12, por configurar evidente retrocesso ambiental, além de permitir a descaracterização das áreas de preservação permanente do entorno de reservatórios artificiais.

7. Assim, o pressuposto assentado pelo Parecer nº 76/2013-CONEP/PFE-IBAMA, de que não seria dado ao legislador alterar atos administrativos fixando a APP, sob risco de violação ao ato jurídico perfeito, parece insustentável perante a legitimidade do legislador de reduzir ou mesmo suprimir a APP de um reservatório.

8. O ato de fixação no âmbito do licenciamento é de todo irrelevante para essa análise, aliás, a definição da APP é tida como pressuposto pela discussão travada pela PGR e STF, até porque apenas se altera ou suprime aquilo que já existe.

9. Em reforço, cabe mencionar que argumento semelhante àquele do Parecer nº 76/2013-CONEP/PFE-IBAMA restou entendido pelo STF no âmbito da RCL 38764 enquanto violador da autoridade da ADI n. 4.903 e ADC n. 42:

Em juízo de estrita delibação, entendo que a autoridade reclamada, ao recusar aplicação ao art. 62 da Lei nº 12.651/2012 no caso concreto com fundamento no "princípio do tempus regit actum" e do postulado da vedação do retrocesso em matéria ambiental, em 26/7/2018, esvaziou a eficácia normativa do referido dispositivo legal cuja validade constitucional fora afirmada pelo STF na ADI 4.903/DF e na ADC nº 42/DF (sessão de julgamento de 28/2/2018, ata de julgamento publicada no DJe de 2/3/2018).

10. Diante disso, o art. 62 do Código Florestal deve incidir para todos empreendimentos cuja APP restou fixada ou não no âmbito do licenciamento ambiental, desde que atendidos os preceitos do dispositivo em questão.

11. Ocorre que aqui resta necessário fazer uma complementação: o art. 62 do Código Florestal encontra-se previsto na Seção II do Capítulo XIII do Código Florestal, que diz respeito às Áreas Consolidadas em Áreas de Preservação Permanente, sendo indispensável sua interpretação sistemática com os demais preceitos da própria Seção, inclusive pela própria redação do dispositivo, que se inicia com o vocábulo "para", indicando que a norma complementa outra, qual seja, o primeiro artigo da Seção.

12. Nesse sentido, quando aprovado o Código no Congresso Nacional, a redação vetada do art. 61 previa semelhante redação para o parágrafo quarto:

"Art. 61. Nas Áreas de Preservação Permanente é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008. [...] § 4º Para os imóveis rurais que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d'água naturais, com largura de até 10 (dez) metros, será admitida a manutenção de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural, independentemente do tamanho da propriedade, sendo obrigatória a recomposição das faixas marginais em 15 (quinze) metros, contados da borda da calha do leito regular".

13. Vetado o dispositivo, os Arts. 61-A e 61-C fizeram uso da mesma fórmula redacional:

Art. 61-A. Nas Áreas de Preservação Permanente, é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). (Vide ADIN Nº 4.937) (Vide ADC Nº 42) (Vide ADIN Nº 4.902)

§ 1º Para os imóveis rurais com área de até 1 (um) módulo fiscal que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d'água naturais, será obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais em 5 (cinco) metros, contados da borda da calha do leito regular, independentemente da largura do curso d´água. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).

§ 2º Para os imóveis rurais com área superior a 1 (um) módulo fiscal e de até 2 (dois) módulos fiscais que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d'água naturais, será obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais em 8 (oito) metros, contados da borda da calha do leito regular, independentemente da largura do curso d´água. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).

§ 3º Para os imóveis rurais com área superior a 2 (dois) módulos fiscais e de até 4 (quatro) módulos fiscais que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d'água naturais, será obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais em 15 (quinze) metros, contados da borda da calha do leito regular, independentemente da largura do curso d'água. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).

§ 4º Para os imóveis rurais com área superior a 4 (quatro) módulos fiscais que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d'água naturais, será obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais: (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). [...]

§ 6º Para os imóveis rurais que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente no entorno de lagos e lagoas naturais, será admitida a manutenção de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural, sendo obrigatória a recomposição de faixa marginal com largura mínima de: (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). [...]

Art. 61-C. Para os assentamentos do Programa de Reforma Agrária, a recomposição de áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo ou no entorno de cursos d'água, lagos e lagoas naturais observará as exigências estabelecidas no art. 61- A, observados os limites de cada área demarcada individualmente, objeto de contrato de concessão de uso, até a titulação por parte do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). (Vide ADIN Nº 4.937) (Vide ADC Nº 42) (Vide ADIN Nº 4.902)

14. Dessa maneira, o art. 62 do Código Florestal deve ser entendido apenas enquanto consolidação de Áreas de Preservação Permanente, possuindo, assim, um marco final para tal consolidação, mantendo-se a faixa de APP não objeto dessa alteração.

15. Em sentido semelhante quanto ao fato do art. 62 do CFlor se tratar de área consolidada, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região pacificou o tema por meio de sua Súmula de n. 56 segundo a qual "O art. 62 do Novo Código Florestal é aplicável aos reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou ao abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à MP 2.166/67, de 24/08/2001, tão somente para evitar demolições, sem, no entanto, ter o condão de possibilitar novas edificações, ainda que seja além da cota máxima maximorum". Tal entendimento baseou-se no julgamento do Incidente de Uniformização de Jurisprudência n. 0004057-58.2008.4.01.3802 de seguinte ementa:

PROCESSUAL CIVIL, AMBIENTAL E CONSTITUCIONAL. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. RESERVATÓRIO ARTIFICIAL DE USINA HIDRELÉTRICA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. ART. 62 DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL: APLICABILIDADE. RESOLUÇÃO CONAMA 302/2002: INCIDÊNCIA AOS FATOS POSTERIORES. RESOLUÇÃO CONAMA 04/85: FORMAÇÕES FLORÍSTICAS E ÁREAS DE FLORESTAS COMO DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE, E NÃO QUALQUER ÁREA AO REDOR DE RESERVATÓRIOS ARTIFICIAIS. INAPLICABILIDADE. NATUREZA DO EMPREENDIMENTO. LEI MUNICIPAL. ÁREA URBANA. INÍCIO DE PROVA. I - O art. 62 do Novo Código Florestal é aplicável aos reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou ao abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à MP 2.166/67, de 24/08/2001, tão somente para evitar demolições, sem, no entanto, ter o condão de possibilitar novas edificações, ainda que seja além da cota máxima maximorum. II - A Resolução CONAMA nº 302/2002, que dispõe sobre os parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente de reservatórios artificiais, somente se aplica aos fatos a ela posteriores. Proposta de enunciado de Súmula. III - A Resolução CONAMA nº 04/85, editada em razão do art. 18 da Lei nº 6.938/81, apenas contempla as formações florísticas e áreas de florestas como reserva ecológica, em nada se relacionando às áreas de preservação permanente incluídas no antigo Código Florestal (Lei nº 4.771/65) por ocasião da Medida Provisória nº 2.166-67/2001. Proposta de enunciado de Súmula. IV - A existência de lei municipal indicando a natureza urbana de determinada área é início de prova para se afastar a alegação de que o imóvel nela construído possui natureza rural, devendo ser cotejada com os demais elementos de prova acostados aos autos para fins de fixação da área de preservação permanente respectiva. Proposta de enunciado de Súmula. V - Incidente de uniformização acolhido. (IUJAC 0004057-58.2008.4.01.3802, DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, TRF1 - TERCEIRA SEÇÃO, e-DJF1 17/05/2016 PAG.)

16. Ocorre que, conforme precedente do TRF1, a data de consolidação é entendida enquanto aquela da entrada em vigor da Resolução n. 302/2002, veja-se precedente nesse sentido:

Diante da realidade fática pertinente ao caso em análise, é de se impor o reconhecimento de que o art. 62 se aplica ao caso em análise, mas não significa isenção ao proprietário quanto à observância da legislação pertinente, ficando obstado de promover novas intervenções dentro da área de preservação permanente, que, para o caso em análise, compreendo ser de 30 m (trinta metros) do reservatório. Essa faixa de proteção deve ser respeitada, somente não sendo o caso de ordenar demolições em ocupações consolidadas antes mesmo da mencionada Resolução 302/2002. E é nesse sentido que a Terceira Seção deste Tribunal editou a Súmula 56, que estabelece: "O art. 62 do Novo Código Florestal é aplicável aos reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou ao abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à MP 2.166/67, de 24/08/2001, tão somente para evitar demolições, sem, no entanto, ter o condão de possibilitar novas edificações, ainda que seja além da cota máxima maxmorum." (Voto da Relatora AC 0004865-63.2008.4.01.3802, DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO COSTA, TRF1 - QUINTA TURMA, e-DJF1 06/12/2019 PAG.)

17. Apesar da concordância quanto à aplicação do dispositivo para áreas consolidadas, tenho, com a máxima vênia, de discordar do entendimento do Egrégio Tribunal Regional Federal, quanto ao marco e quanto ao objeto da consolidação.

18. Em primeiro lugar, a interpretação parece ter sido afastada pela Presidência do STF porquanto o caso analisado na RCL 38764 pela Presidência do STF diz respeito a área discutida a partir de 2004:

"A ilegalidade da ocupação desse imóvel, do ponto de vista ambiental, vem sendo apontada, discutida e apurada desde 18/11/2004, data em que o proprietário do imóvel foi autuado nos moldes do Auto de Infração Ambiental nº 263424 [...]" (Voto da Relatora no Acórdão Reclamado - ED em AC n. 0002737-88.2008.4.03.6106/SP).

19. Em segundo lugar, a definição da data da consolidação por meio da irretroatividade da Resolução CONAMA n. 302/2002 para o art. 62 do Código Florestal não parece compatível com o texto do dispositivo que define o tempo verbal futuro do presente ao referir que "a faixa da Área de Preservação Permanente será a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum".

20. Seguindo a leitura em questão, uma construção que tivesse sido iniciada anteriormente à Resolução CONAMA n. 302/2002 já não seria impactada por essa (tema da Súmula n. 57 do TRF1), sendo então somente exigível para essas o respeito à distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum. Ocorre que, caso assim fosse, não se trataria a matéria de área consolidada, mas eventualmente, de retroatividade para, inclusive, ampliar a APP que não existia anteriormente à Resolução CONAMA n. 302/2002.

21. Assim, quanto ao marco da consolidação, ante a remissão aos arts. 61-A a 61-C pelo vocábulo "para" e a interpretação sistemática da seção em que inserido, tenho que o marco do art. 62 deve ser entendido enquanto 22 de julho de 2008, data a qual todos os referidos dispositivos apontam como sendo aquela apta à consolidação.

22. Além disso, reputo que o objeto da consolidação não é as edificações. Isso porque o texto do dispositivo indica que a faixa de APP será a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum. No mesmo sentido, o próprio capítulo diz respeito às áreas consolidadas em APP e não necessariamente o uso do solo.

23. Não fosse isso, o Código Florestal exige no art. 3º, IV, a presença de edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris como requisito à consolidação da área rural, mas, uma vez consolidada, não demanda a imutabilidade da área. Ou seja, o que é consolidado é a faixa de APP e não o uso do solo.

24. Dessa forma, fixo o seguinte entendimento quanto ao art. 62 do Código Florestal:

a. Deve incidir para todos empreendimentos cuja APP restou fixada ou não no âmbito do licenciamento ambiental, desde que atendidos os preceitos do dispositivo em questão;

b. Tem conteúdo constitutivo, não tornando nulos ou desconstituindo atos administrativos que já tiveram sua constituição e extinção anteriormente à data de publicação do Código Florestal. Isso não exclui a eventual aplicação de outros dispositivos, em especial, o art. 59 do Código Florestal;

c. As áreas em que ocorreu a ocupação antrópica até 22 de julho de 2008 e que diziam respeito à APP dos reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, e que respeitarem a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum, consideram-se consolidadas e deixam de possuir essa natureza com a publicação do Código Florestal;

d. Após a publicação do Código Florestal não é possível a consolidação de novas áreas com base no art. 62 do Código Florestal;

e. Como consequência de se tratar de consolidação de área, não é dado ao limite da APP prevista no art. 62 ampliar aquela que seria aplicável por meio da Resolução CONAMA 302/2002.

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